Ação internacional dos governos subnacionais

Ação internacional dos governos subnacionais: o caso do “Congreso de Intendentes” do Uruguai no período 2016-2017*

 

Geovana Gabriela Bardesio**

 

Resumo

Este trabalho se desenvolveu com o objetivo de analisar as ações internacionais desenvolvidas pelo Congresso de Intendentes do Uruguai no período de gestão de 2016-2017. Para isso, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa-descritiva (Gil, 2008), que consistiu num estudo de caso que utilizou-se da técnica documental como fonte de coleta de dados (Yin, 2010). Os resultados da análise para o período proposto indicam que as ações internacionais desenvolvidas pelo Congresso de Intendentes envolveram estratégias que congregam diversos atores e a conformação de redes, tendo como consequência uma atuação internacional destacada que se reflete diretamente no esfera local promovendo o desenvolvimento e impactando diretamente na qualidade de vida da população.

Palavras-chave: cooperação internacional descentralizada; congresso de intendente; Uruguai.

 

  1. Introdução

O mundo pós guerra fria se caracteriza por uma série de amplas e profundas mudanças no cenário internacional. As mais evidentes são de caráter político e econômico, também as mais estudadas. Entretanto, este rearranjo não impactou somente a postura internacional dos Estados nacionais, conduziu os governos subnacionais a buscarem inserção internacional. Para isso, as ações voltadas a cooperação internacional têm sido uma ferramenta utilizada e aprimorada ao longo do tempo deixando de ser uma prática dos Estados nacionais e passando a fazer parte das ações dos governos subnacionais. Mancini e Giacobbi (2014) assinalam que conceitos como os de paradiplomacia, cooperação descentralizada, ação exterior de autoridades locais, internacionalização de territórios são conceitos que apontam para uma crise no paradigma das Relações Internacionais e da cooperação internacional.

Neste contexto é criado, no Uruguai, o Congresso de intendentes (CI), formalmente constituído em 1996 e que se torna objeto de estudo desta pesquisa. Assim, o que se busca compreender é: como se desenvolveram as ações internacionais do CI no período 2016-17? A hipótese de trabalho se volta para a tese de que a implementação de ações internacionais, principalmente cooperação descentralizada, contribuíram para o desenvolvimento local e para a inserção internacional dos governos subnacionais que compõem o CI. Nesse sentido, analisar às ações internacionais, conhecer as ferramentas utilizadas e os resultados alcançados pelo CI, neste período, contribuirão para o estudo das ações internacionais dos governos subnacionais e para a compreensão da internacionalização dos governos locais.

 

 

  1. Metodologia

Este trabalho se caracteriza como qualitativo – descritivo (Gil, 2008; Triviños,1987), pois, busca compreender a ação exterior dos governos subnacionais através das decisões, metodologias e resultados alcançados pelo CI, portanto, considerando fatores subjetivos que aportam a compreensão do fenômeno. Trata-se de um estudo de caso (Yin, 2010) uma vez que se busca compreender o fenómeno da ação exterior dentro de um objeto em específico, sendo ele o CI do Uruguai.  Para isso, a técnica utilizada para a coleta de dados é a documental (Gil, 2008) uma vez que prevalece a análise de materiais normativos e relatórios de atividades gerados pela instituição, especialmente, a análise do anuário de gestão 2016-2017.

2.1 Objeto de estudo: Congreso de Intendentes

O CI é um organismo público que visa coordenar as políticas dos governos departamentais (subnacionais), que tem a autonomia de celebrar convênios com o poder executivo e demais poderes do Estado, e entes autônomos nacionais e internacionais. Além disso a instituição também visa a coordenação da prestação de serviços e atividades próprias ou comuns do seu funcionamento nos respectivos territórios de forma regional ou interdepartamental. Este foi criado pelo artigo 272 da Constituição uruguaia de 1996 e conta com uma institucionalidade definida, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1: organograma do CI

Fonte: Congreso de Intendentes

 

Para fins deste trabalho, a URRICI – Unidade de Relações Internacionais e Cooperação Internacional, recebe especial atenção. Esta tem sua função voltada a internacionalização da instituição é as suas ações serão analisadas no presente trabalho.

  1. Discussão teórica

A cooperação descentralizada, de acordo com Faruya e Oddone (2014) nasce de forma espontânea com intercâmbios educacionais, culturais e esportivos após a II Guerra Mundial com a intenção de fomentar a paz e a reconciliação na Europa. Surgem assim, os primeiros acordos de hermanamentos  entre municípios franceses e alemães. Ainda conforme estes autores, a prática se institucionaliza paralelamente a reconstrução europeia e se estende até 1970 com projetos de solidariedade e cooperação técnica entre coletividades da Europa e África, Ásia e América Latina (Faruya e Oddone, 2014).

Para autores como de la Varga (2014) o conceito de cooperação descentralizada sofreu modificações ao longo do tempo sofrendo um processo pendular de compreensão ao longo dos últimos 20 anos. Conforme o autor, inicialmente o conceito pautava-se de forma ampla em contemplar todo tipo de cooperação que não se caracterizasse como cooperação estatal nem de grandes agencias. Após, ocorreu uma tendência a retrair o conceito restringindo-o ao entendimento da cooperação impulsada ou gerida exclusivamente por governos locais ou em concertação com outros atores subestatais. Na atualidade, o conceito se centra no papel que os governos locais desempenham tanto como lideranças ativas no processo como sua participação no que tange própria articulação da estratégia de desenvolvimento nas diferentes esferas, como explica de la Varga:

 

actualmente un concepto en constante evolución que se define no tanto por sus actores como por el ámbito en el que se incide y se impulsa el desarrollo del territorio; y en el que los gobiernos locales participantes asumen un liderazgo y un rol articulador de la estrategia de desarrollo y de los demás actores participantes de rango local, estatal o internacional (de la VARGA, 2014, p.11).

Para autores como Dubois (2005) a cooperação descentralizada tem dois sentidos, um mais amplo e outro mais restrito, sendo o mais amplo considerado um novo enfoque da cooperação, o qual se caracteriza pela descentralização das iniciativas e pela relação com o sul, assim como pela incorporação de uma ampla gama de novos atores ao processo. Enquanto que a mais restrita está centrada no papel que desempenham as instituições locais, autônomas ou regionais na cooperação (DUBOIS, 2005).

A cooperação descentralizada é definida por Faruya e Oddone (2014, p.3) como “el conjunto de acciones protagonizadas por los gobiernos no centrales cuya finalidad principal es la promoción del desarrollo local en un sentido amplio”. Este tipo de cooperação pretende estabelecer novas formas de inter-relações, por meio das quais os setores público e privado, assim como os agentes políticos, econômicos e sociais possam estabelecer sinergias e coordenar esforços em prol de um desenvolvimento mais equitativo (Dubois, 2005).

  1. Resultados finais ou parciais

O anuário analisado corresponde ao período de gestão – julho de 2016 a julho, no qual, Daniel Martinez (Intendente de Montevidéu) assume como presidente e Carlos Enciso (Intendente de Florida) e Marne Osorio (Intendente de Rivera) como vicepresidentes. Pode-se constatar uma ação exterior ativa, com o estabelecimento de relações políticas e econômicas com variados atores de diversas origens geográficas.

Neste período o C.I além buscar estreitas laços com os países vizinhos, Argentina, principalmente através da atuação no Comité de Hidrovía do Rio Uruguai, e com Brasil, ratificando as políticas de integração fronteiriça, especialmente em matéria de turismo, participou de atividades em redes. No período, participou do Encontro de Associação de Governos Intermediários dos Países Sul-americanos, e da Assembleia Mundial de Governos Locais e Regionais (Congreso, 2017, p.12; p.18). Organizou o Seminário de Gestão Pública e Participação Cidadã em conjunto com a Federação de Municípios da Argentina (Congreso, 2017, p.27) e a Jornada de Intercambio da Cooperação Internacional (Congreso, 2017, p.48). É interessante notar que, neste último evento, o CI reuniu representantes de instituições internacionais com sede no país, tais como AECID, BID, CAF, JICA, SEGIB, UE, SNU, juntamente com a presença de representações nacionais do âmbito da cooperação internacional como AUCI e MRREE.

Foram assinados convênios com representações institucionais de diversos países, tal como assinala o Presidente do CI, Daniel Martinez:

 

   En el contexto de las Relaciones Internacionales firmamos acuerdos con Asociaciones hermanas de Ecuador, México, Brasil, con la Gobernación de Entre Ríos y la Provincia de Extremadura (España) estando previstos acuerdos con Provincias del R:D: del Congo, Provincia de Anhui (China) FAM Bolivia, Federación Argentina de Municipios y nuestros Cros Vicepresidentes participaron de reuniones de la Unasur y del FCCR Mercosur (CONGRESO, 2017, p.3).

 

Especialmente nas participações que o CI realizou nas reuniões da Unasur e do FCCR do Mercosul apresentou protagonismo na reivindicação de maior espaço nesses foros para os governos subnacionais.  Já no que se refere aos acordos assinados, estes se pautam na cooperação técnica, troca de experiências e orientação a capacitação com orientação ao desenvolvimento econômico e social local.

O CI garantiu através de uma convocatória de subvenção de projetos da União Europeia, um financiamento de 1.650.000 euros para desenvolver projeto voltado ao fortalecimento da descentralização e da capacidade institucional dos governos locais na promoção do desenvolvimento sustentável e inclusivo com equidade territorial (Congreso, 2017, p.19). O financiamento internacional foi utilizado em 23 projetos que envolveram 59 municípios em todo o país (Congreso, 2017, p.45). Além disso, o CI recebeu 75 milhões de dólares do BID, que firmou contrato de empréstimo com o governo central do Uruguai. Este crédito foi repassado ao CI para a execução de obras de melhoria logística para a zona rural e incentivo ao aumento da produtividade (Congreso, 2017, p.46-47).

 

  1. Considerações finais

 

Foi possível perceber que no período de apenas 1 ano, o CI desenvolveu uma atuação internacional bastante significativa, pautando-se no conceito de cooperação descentralizada estabeleceu relações e convênios com diferentes atores, desde associações municipais até organismos internacionais. A inserção internacional proporciona aumento da visibilidade da instituição e dos seus integrantes, auxilia no estabelecimento de redes políticas e econômicas. A utilização de diferentes estratégias de atuação, consolidam a atuação internacional dos governos subnacionais que fazem parte do CI e como resultado do trabalho institucional no plano internacional se observam resultados importantes que impactam diretamente nos municípios e seus habitantes.

 

  1. Referências

 

CONGRESO de Intendentes. (2017). Gestión Julio 2016 – Julio 2017. Anuario, p.52.

De la VARGA, M.O.  (2014). ¿Definición de la cooperación descentralizada?: orígenes, aproximaciones y rectos para el futuro. Trabajos de Investigación en Paradiplomacia, Año 3, Número especial: “Savoir-Faire. La cooperación descentralizada entre Francia y América Latina”. Santiago, Chile y Buenos Aires, Argentina., Diciembre. ISSN: 1853-9939

 

DUBOIS, A.(2005) Cooperación descentralizada. Diccionario de acción humanitaria y cooperación al desarrollo. Instituto de Estudios sobre Desarrollo y Cooperación Internacional. Universidad del País Vasco/ /Euskal Herriko Unibertsitatea. Disponible en: http://www.dicc.hegoa.ehu.es/listar/mostrar/42 . Consultado en 08/09/2018.

 

FARUYA, E; ODDONE, N. (2014). Cooperación descentralizada: ¿importan más las definiciones o las acciones?  Trabajos de Investigación en Paradiplomacia, Año 3, Número especial: “Savoir-Faire. La cooperación descentralizada entre Francia y América Latina”. Santiago, Chile y Buenos Aires, Argentina. 2014, Diciembre. ISSN: 1853-9939

 

GIL, A.C.. Métodos e técnicas de pesquisa social. (2008).  6 ed, São Paulo: Editora Atlas.

 

MANCINI, N; GIACOBBI, M.  (2014).Número especial cooperación descentralizada Francia América Latina. Trabajos de Investigación en Paradiplomacia, Año 3, Número especial: “Savoir-Faire. La cooperación descentralizada entre Francia y América Latina”. Santiago, Chile y Buenos Aires, Argentina., Diciembre. ISSN: 1853-9939

 

TRIVIÑOS, A. (1987). Introdução à pesquisa em ciências sociais: A pesquisa qualitativa em Educação. São Paulo, Editora Atlas.

YIN, R. K.  (2010). Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre: Bookman.

*Este trabalho representa os primeiros resultados da pesquisa, pois objetiva-se aprofundar a análise da atuação do CI a partir da sua constituição até o momento.

** Bacharela em Administração (UNIPAMPA); Diplomada em Governança da cooperação internacional e transfronteiriça para o desenvolvimento local (EL COLEF e CGCID); Graduanda em Relações Internacionais (UNIPAMPA), e, Pós-graduanda no curso de Especialização em Relações Internacionais Contemporâneas (UNIPAMPA). Contato: bardesio.g@outlook.com Twitter: @gbardesio

https://www.ceibal.edu.uy/es/articulo/el-aporte-de-plan-ceibal-los-objetivos-de-desarrollo-sostenible